terça-feira, 3 de julho de 2012

Desaventurança


IV
O dia estava nublado, um tom de chumbo cobria todo o céu, ela olhava para o alto como se tentasse lembrar algo que lhe pudesse dar alguma esperança. Nada era capaz de ativar suas recordações e um misto de temor e contentamento tomou conta do seu corpo ressequido e fraco. Trazia junto a si uma espécie de aljava e uma foice. E não se intimidou ao encarar a montanha que haveria de escalar, apenas, suspirou como um choro engasgado, contido e prosseguiu até chegar ao cume daquele derradeiro desafio.
A montanha era coberta de uma terra preta e fofa fazendo com que os passos daquela dura caminhada fossem menos dolorosos. Como se a natureza ofertasse sua parte no sacrifício. O céu, nesse momento, parecia mais perto e os olhos que já não sabiam mais chorar, derramaram uma lágrima que saiu quase como um grito e rolou pelo seu rosto até chegar ao solo. Com determinação segurou a foice e deu o primeiro golpe forte e sem remorsos. Toda montanha parecia gritar de dor e veio o segundo golpe, e assim, conseguira ferir a terra. Em silencio e com semblante decaído retirou da aljava algumas sementes que brilhavam como o sol e as enterrou ali. E nesse momento, seus sonhos saltaram, estavam todos eles bem na sua frente. Suas lembranças vieram como um relâmpago e explodiram em seu peito. Paulina, sentiu-se vazia de si mesma.
Simone Fernandes

7 comentários:

  1. Paulina vive gritando, um grito silencioso, sem muita vontade de ser escutado, né? Está sempre na linha tênue entre partir e ficar... E eu gosto porque ela sempre fica, e segue o seu grito mudo, ecoando pra dentro.

    E segue.

    Beijo, pássara·

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  2. A montanha está grávida dos sonhos concebidos por Paulina. Em seu ventre, escuro, quente e úmido como um útero, embriões serão fetos e fetos serão nascituros, e a montanha dará à luz os sonhos de Paulina. Aguardemos.
    Beijos, obstetra de montanhas.

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  3. Suspense e angústia nesta narrativa...
    Parece passagem de uma história maior que está guardada, em fase de retoques...
    Será?
    Abraços, Si!

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  4. Hum...trem estranho esse. Será que já havia lido Paulina em tempos outros? Uma sensação de dejavu. De qq maneira que nasçam todos os que estão em gestação. Nenhum será abortado!
    Beijuuss, cheios de mim, procê

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  5. Olá, Si!
    Eu já ia reclamar com a sua mãe sobre a sua ausência, pedir pra ela lhe colocar de castigo! kkkkkk
    Bjs!
    Rike.

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  6. Si amaaaaada!
    Posso contar com vc no nosso dicionário? Tá valendo qualquer uma...mas que seja bem sua...como muitas que já ouvi de vc.
    Beijuuss n.a.
    P.S: se não quiser tem problema algum!

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  7. Somos todos feitos desse indecifrável caminho que atravessa séculos .

    Somos feitos dessas dores ,desses sonhos , e dessa grande adíposidade poética que inauguramos diariamente , em nós .


    Excelente ,Simone !
    até no desamparo eu vi beleza !

    Beijo Gigante

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